CORPO MIGRANTE
Cruzamentos Contemporanêos
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Klauss viana – a dança
“Não posso inventar, fabricar movimentos a partir do nada, porque tudo tem um sentido muito profundo, tudo tem uma razão maior."
“...o estrangeiro é um elemento perturbador, porque é, ao mesmo tempo, membro do grupo e seu fora ou seu oposto.”
Jeanne Marie GaGnebin – como viver juntos, uma comunidade de estrangeiros
" “O homem tornou-se bípede ao descer das árvores” estabelece a ruptura de um conceito; de que o bípede tem seu andar baseado na relação que estabelece com seus pés, obnubilando a importância de outros membros e de seu tronco."
web: dn.pt
Principio & Elaboração
"O direito ao voto é um principio basico da democracia, do qual são excluidas imigrantes que moram no Brasil. A reivindicação do voto é uma luta para sair da invisibilidade, por mais direitos e por melhores oportunidades para tod@s"
CAMPANHA AQUI VIVO, AQUI VOTO

Como unir diferentes principios?
Entre diversas acepções e metáforas para o corpo, há que se considerar as inúmeras menções a um “corpo estrangeiro”. O “corpo estrangeiro” perpassa diferentes áreas do conhecimento; desde a medicina, em que o corpo estrangeiro pode significar as interferências de um organismo exógeno, até as ciências humanas em que um “corpo estrangeiro” começa a ser definido a partir da identificação entre nação (como um território cultural mais ou menos homogêneo) e um corpo nacional. O estrangeiro é uma categoria que ganhou significados distintos ao longo dos séculos de sistematização de conhecimento das ditas ciências. Atualmente, essa
categoria, pode significar as imensas hordas de imigração, os imigrantes mesmos. Diante da deflagração destes movimentos contemporâneos sociais, nosso grupo busca discutir as acepções do
corpo migrante na Dança, desde o entendimento de um “corpo estrangeiro” até sua inevitável desestabilização como um corpo “migrante”.
A seguir relatamos experiências em que fomos deflagrados como estrangeiro que há em nós, tratamse de relatos dos integrantes do grupo naquilo que chamamos de cruzamentos contemporâneos, são situações em que fomos diretamente confrontados com questões ligadas à identidade, em especial ao ser estrangeiro. Tais observações, vivências, momentos, nos chamaram a atenção por sua singularidade.
Sentir-se como um corpo estranho dentro de um contexto. Usar algo que não condiz com seu estilo ou ter que mudar seu comportamento para se adequar a cultura ou costume de um país ou região, são alguns exemplos que me fazem associar o que é um corpo estrangeiro e migrante.Pude vivenciar essa experiência, quando viajei ao Japão. Mesmo sendo descendente de japonês, senti um choque muito grande com relação a tudo. Uma cultura tão próxima, por ser neta de japoneses, e ao mesmo tempo tão distante por seus costumes, tradições totalmente diferentes. Com relação a dança não foi diferente, pois houve um episódio em que fui ensaiar uma coreografia para participar de um “matsuri”, que seria como se fosse um carnaval aqui no Brasil, e quando comecei a fazer os passos com deslocamentos, fui observada e orientada a não mexer muito nos quadris, ou seja, estava rebolando. Fiquei surpresa, já que não conseguia ter essa percepção, muito pelo contrário, me sentia uma porta. Curioso, estranho e contraditório foram sentimentos daquele momento, pois havia um corpo com todas as características daquele país, mas com movimentos e gestos que não conseguiam entender aquele tipo de linguagem corporal.
Luciana Minami
Eu nasci em uma cidade do interior de Argentina e cresci em um povo tão pequeno, que não tínhamos escola de dança, professora ou alguém que ensine em sua casa. Como primeira filha, minha percepção do mundo corporal estava sempre dentro da família, que tinha por costume se cumprimentar euforicamente. Fato que de criança pegue isso como brincadeira, cada domingo quando a família se juntava, minhas primas e eu corríamos ao encontro da outra para nos abraçar e gritar de felicidade cumprimentando-nos. Cresci e aos 20 anos comece a estudar dança, ao fim. Para mim passo a ter sentido muitas coisas que percebia de meu corpo, os interesses que tinha e inquietudes sobre como as pessoas se movimentavam. Quando decidi morar em Buenos Aires, para continuar estudando dança e em particular tango, foi entrar em um mundo de convivência e contato com pessoas de diferentes países e cultura (devido ao tango). Seja em uma aula ou na milonga (lugar onde se baila tango).
As pessoas cumprimentavam muito diferentes conforme seus costumes, cultura e crença religiosa. Quando comece a viajar confirme ainda mais, em cada região aonde ia, como cumprimentar tinha tudo um formato próprio do lugar; falava da pessoa e seu entorno. Isso segue sendo até hoje como um novo encontro com cada pessoa que cumprimento.
Emilia Andrada
Certo dia em Belo Horizonte, Minas Gerais em que já tenha saído e estado muito tempo fora, em determinado momento fiquei sem bateria, sem crédito no telefone, e perdido na cidade. Depois de passar muito tempo e muitas pessoas as que pedi ajuda e orientação, estressado, decidi quando me encontrei com a seguinte pessoa, não a deixaria ir até que tivesse entendido o que eu queria dizer, já não importava o endereço e o lugar, apenas queria que entendesse algo do que eu dizia e queria. Quando a “pessoa” chego, tentei recorrer a fala, sinais, tanto de mão, como corporais, tudo em vão; embora ele entendia, pelo menos, os momentos em que eu me aborrecia.
Situações similares aconteceram muitas vezes, algumas ignorado, outras, até rechaçado. Em contrapartida, a forma de minimizar estes efeitos é aprendendo a reproduzir características do meu entorno, como uma espécie de camuflagem de algo que é evidente e que não pode ser ocultado. Ás vezes, tenho que ser o argentino original e em outras o argentino-brasileiro, também segundo a necessidade e o gosto de outras pessoas, ou minha.
Benjamin Galian
Aos 26 anos eu morei na França. Depois de anos trabalhando como professor de francês, era chegada a hora de poder passar por uma experiência mais intensa. No início, tudo saiu como o esperado. A preparação da viagem ainda no Brasil não havia reservado grandes surpresas. O fato de haver poucas bolsas me dava certa ansiedade, mas logo foi confirmada minha colocação, e eu estava em primeiro, de fato, o sonho de estudar na Sorbonne se realizava na carta de aceitação! Um problema: a bolsa era apenas a gratuidade do ano escolar, mas havia todo o resto; comer, morar, viver.
Eu sabia que não tinha muitos recursos, mas que seria possível, sobreviver pelos primeiros meses, e que tudo transcorreria bem assim que eu conseguisse um emprego. Certo espírito aventureiro me ajudou a seguir. Na chegada, muitas dificuldades; conseguir um atestado de residência para poder abrir uma conta corrente, para poder procurar onde morar, para poder pagar, para isto, para aquilo. Inúmeras etapas burocráticas. Felizmente, estas barreiras nunca foram linguísticas, afinal eu dominava bem o idioma, mas não sabia que ser proficiente significava me inserir por completo na sociedade francesa, tarefa não tão fácil para alguém assim tão...assim, deste jeito que eu sou.
Em dois meses, algumas entrevistas, mas nenhuma resultava em emprego, nada, garçom, faxina, nada. Sim, havia vagas, mas elas pareciam sempre reservadas para outras pessoas. Eu via estrangeiros trabalhando nos lugares, pessoas do meu círculo empregado, mas algo estava errado em mim. Chegou a última nota da carteira, eram 10 euros para uma semana. Eu precisava de algo e rápido. Uma amiga me aconselhou que eu tirasse a barba; “Sabe, aqui na França, ter barba é muito comum entre os muçulmanos”, é claro que eu entendi que além da barba estava sugerido em meus traços certa ascendência muçulmana, o que pode muito bem ser verdadeiro desde as feições de meus lusos avós, mas eu desconfiei que isto faria tanta diferença.
Na entrevista decisiva da semana, meu empregador me inquiriu com inúmeras questões, seria eu suspeito de algo? De onde eu era, como atenderia um cliente, o que eu entendo por um local limpo, onde eu aprendi francês, se já tinha morado na França. Por Alá, quanta coisa! Já cabisbaixo, e com pouca esperança, tudo mudou quando o empregador sugeriu “en passant” que talvez, por tratar-se de um restaurante, eu pudesse tirar a barba como sinal de limpeza e de que faria tudo para ficar, e assim fiquei.
Afinal, a barba cresceria de volta, certamente não mais como antes.
Paulo Vigarinho
O agradecimento a Ana Rizek Sheldon, mestre do saber, que leu o embrião deste trabalho e contribuiu de maneira a ampliá-lo em inúmeros aspectos.